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Está bem avô! Mas não pode ser na praia. Tem muita areia!

por António Tavares, em 13.05.20

Ontem à tarde fiquei apenas com a minha neta em casa. A Clara tem apenas 3 anos. Ao ver-me preocupado não saía do pé de mim.

Eu vasculhava o computador procurando documentos e mails antigos que me provassem que era mentira: eu não devia 4.000 euros à Segurança Social desde 2006!

- Ó avô, eu vou resolver o teu problema. Tenha aqui um livro de magias. Resolve todos os problemas. Onde está o papá?

- O papá foi a Lisboa com a avó para ver se encontram um papel para resolver o problema do avô.

- Não faz mal. Eu resolvo. Sabes que eu sou a princesa Helena. Tenho uma varinha mágica e vou fazer uma magia. Até à hora de jantar eu resolvo o teu problema.

E abriu o seu livro “Clara – A caça ao Tesouro” numa página qualquer, em cima da cadeira que estava mesmo ao meu lado. Olhei de relance e vi apenas uma menina de olhos grandes a apontar para um pequeno animal que saía duma toca no chão.

- Deixa-me ler-te o que diz aí por baixo …

- Não tu não podes ver.

Abanava furiosamente no ar a sua varinha mágica e dizia palavras de que só ela sabia o significado.

Estamos confinados na casa da Ericeira há cerca de 2 meses e meio por causa da pandemia. Fechamos a loja em Lisboa. O Bruno pediu desde o início o Apoio à Família para tomar conta da Maria Clara porque o colégio fechou. Ainda não recebeu nada. A nossa empresa entrou em lay-off simplificado há 2 meses. Ainda não recebeu nada. Eu tenho o IRS validado há mês e meio e ainda não recebi nada. Acabei de ouvir o nosso Primeiro-Ministro, António Costa, na TV dizer que até ao dia 18 de Maio todos os pedidos estariam satisfeitos. Que já distribuíram não sei quantos milhões…

Nem os constantes telefonemas para o contabilista resolvem o problema. Ninguém entende o que se está a passar.

Embrenho-me pelas entranhas do site da Segurança Social e ao fim de algum tempo lá descubro no sítio mais escondido, uma dívida de cerca de 4.000 euros com 16 anos! Não pode ser!

Liga-me o Bruno de Lisboa.

- Ó pai, vamos embora. Vasculhamos os dossiers todos, desde 206 a 2010 e não encontramos nada.

Só após muita insistência minha ele acedeu a trazer uns 10 dossiers poeirentos.

A minha nora desce as escadas para vir preparar a pizza para o jantar.

Está confinada no piso de cima com os seus computadores em teletrabalho.

Com a pizza pronta chega o Bruno e a mãe. Peço-lhe os dossiers.

- Ó pai, agora não. Estou cheio de pó. E temos que limpar isto tudo primeiro.

Após insistência minha lá consegui que colocasse os dossiers na mesa da sala que já tinha desimpedido. Comecei a passar folha a folha desde 2006.

- Pai deixa isso. Vamos jantar.

Acabado o jantar, arrumada a cozinha e a loiça, volto a lamber papel… ao abrir o separador de Novembro de 2017 lá estava ele: Ofício 168656 da Segurança Social de 17Out07:

- “Incentivos à contratação … informamos que foi DEFERIDO o pedido de dispensa de 100% da contribuição …”

Ainda há alguns meses tinha pedido uma declaração na nossa situação contributiva: nada devíamos. Agora para validar os apoios por causa da pandemia estão a correr rotinas sobre os sistemas antigos, não validam as dívidas detectadas, não comunicam nada, apenas retêm os subsídios devidos, sem qualquer justificação.

São quase 10 da noite. Com o A4 amarelado pelo tempo olho para a cadeira ao meu lado. Vejo o livro que a minha neta tinha deixado aberto naquela página. Em cima estava a sua varinha mágica. Coloco lá dentro o ofício e vou ao quarto onde ela se prepara para adormecer para lhe agradecer.

- Tinhas razão, Clara. A tua magia resultou. Aqui está o papel que o avô, a avó e o papá procuravam desde a manhã. E encontraram há hora de jantar como tu dizias. Prometo que no verão, quando acabarem os micróbios vou fazer o que tu me pediste: ir contigo ao campo esconder um tesouro, fazer um mapa e depois vamos à procura dele.

- Está bem avô! Mas não pode ser na praia. Tem muita areia!

Foi por isto que aos 70 anos escrevi o livro “Aerogramas do Avô Bigodes”. Não queria morrer sem poder contar à minha neta as estórias da minha vida …

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publicado às 11:28

Primeira tela da minha neta! Aos 2 anos e meio!

por António Tavares, em 05.11.19

Vai valer muito dinheiro.jpg

Vai valer muito dinheiro daqui algumas centenas de anos...

 

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publicado às 10:00

Capa do livro

por António Tavares, em 21.01.18

Maria Clara, esta vai ser a capa do teu livro...

Um beijo grande do teu avô bigodes, mesmo não estando ao pé de ti no dia em que fazes 1 ano de vida. Foste uma vencedora.

Avô Bigodes3.jpg

 

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publicado às 18:03

Epílogo

por António Tavares, em 21.01.18

Epílogo

Permito-me reproduzir aqui as palavras que José Gonçalez (poeta alentejano, radialista e fadista) canta num fado:

……………………………………….

Quando eu olhar para trás quero sentir

Que sempre fui capaz de permitir

Que aqueles que de mim quiseram bem

Tiveram o melhor que pude dar

Sabendo eu que recebi também

O melhor que tinham para me dar!

………………………………………….

 

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publicado às 17:59

Primeiro ano da minha neta

por António Tavares, em 21.01.18

Primeiro ano da minha neta

Maria Clara. Fazes hoje um ano. Sempre quis escrever as minhas memórias e recordações. Mas foi o teu nascimento, há um ano atrás, que me motivou a começar. Temi que não tivesse tempo para tas contar pessoalmente. Tinha que as deixar escritas. Hoje, passado um ano, dou por terminada esta aventura. Espero ainda ter tempo para brincarmos os dois. E contar-te mais histórias de que me for lembrando. Como aquela que agora me veio à memória.

Estávamos em Nampula e todas as sextas-feiras era dia de limpeza na oficina mecânica de que eu era o responsável. Os carros que estavam a reparar vinham para a rua. O chão era lavado. Procedia-se à limpeza geral.

A um canto da oficina existia a ferramentaria. Os mecânicos levantavam no início do dia as ferramentas necessárias e tinham que as entregar no final do dia. Naquela sexta-feira de limpeza o ferramenteiro procedia, em tronco nu, à lavagem, com gasolina, de todas as ferramentas. Sem que ninguém se apercebesse os vapores da gasolina foram-se espalhando pelo chão da oficina e chegaram a um maçarico que um mecânico operava num canto bem longe dali, para uma reparação urgente.

Deu-se a explosão. O ferramenteiro dizia depois que se viu todo envolto em chamas. Conseguiu abrir a porta. Tirou os calções que ainda ardiam. Nem um pelo se via no corpo dele. Veio a emergência. Foi evacuado para o hospital que até ficava perto. Queimaduras em todo o corpo. Evacuado para a capital (Lourenço Marques). Evacuado depois para Lisboa. Soubemos algum tempo mais que não resistira. E era de Proença-A-Nova, ali para os lados de Cardigos.

Meus filhos e minha neta. Era isto que vos queria deixar escrito. Façam destas palavras o uso que bem entenderem.

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publicado às 17:57

Primeiro Natal da Maria Clara

por António Tavares, em 27.12.17

Primeiro Natal da Maria Clara

Este foi o teu primeiro Natal no meio de nós. Acabaste de fazer 11 meses. Estiveste como sempre risonha, bem-disposta, sem chorar nem fazer birras.

Na Casa da Paria estavas tu e os teus pais. Os teus avós de Lisboa e o teu avô da Guarda. Os teus tios de Lisboa e o Torps. O teu pai fez qualquer brincadeira contigo e com o Torps que ele não gostou muito. Ainda te ladrou. Mas sabes, como tu agora és o centro das atenções e ele é um ciumento do caraças, não gostou muito da brincadeira. Mas deixa que isso passa-lhe. Quando tu andares e puderes brincar com ele vais ver que ele vai gostar de ti.

O teu avô faz pela 40ª vez as filhoses de Natal.

Ninguém me ensinou a fazê-las. Via a minha mãe a fazê-las e fixei na memória. Quando me casei, em 1975, comecei a faze-las todos os anos. Neste, ainda por cima com a tua presença, não podia fugir à regra.

O teu tio Tiago pediu-me que não me esquecesse de escrever a receita. Há muita maneira de fazer filhoses. Eu faço assim:

Ingredientes:

2 Quilos de farinha 65

2 Saquetas de fermento do padeiro

10 Decilitros de leite morno

Raspa e sumo de uma laranja

Meio quilo de abóbora cozida e esmagada

1 Cálice generoso de vinho do porto

1 Dúzia de ovos

Confeção:

Deita-se num alguidar grande 1 quilo de farinha. Abre-se um buraco no meio onde se deitam os ingredientes. Primeiro o fermento e o leite morno para o desfazer. Vai-se mexendo com uma mão. Depois deita-se o sumo e a raspa da laranja, a abóbora e o vinho do porto. Por fim os ovos inteiros, um a um. Vai-se mexendo sempre.

Num alguidar pequeno ao lado deita-se o outro quilo da farinha. Enquanto com uma mão se vai mexendo e enrolando a mistura, com a outra mão vai-se adicionando farinha até todo o conjunto formar uma bola que se consiga separar da mão e das paredes do alguidar. Para facilitar vai-se afastando a massa das paredes e espalhando a farinha nelas e no chão do alguidar.

Logo que faça uma bola é preciso amassá-la com as duas mãos, batendo e enrolando e virando, durante longos, longos minutos. Vai-se pondo farinha nas mãos e à volta para não pegar.

Quando a bola estiver homogénea, espalha-se farinha nas paredes e no chão do alguidar e deixa-se a bola a repousar no fundo. Tapa-se o alguidar com um pano e com casacos de malha. Deixa-se a levedar num sítio quente (não muito quente) sem nunca as destapar, durante 3 ou 4 horas.

Coloca-se uma frigideira funda o lume com óleo novo. Coloca-se um pouco de óleo numa chávena. Com os dedos molhados em óleo retira-se um pedaço de massa que forme uma bola com cerca de 4 a 5 centímetros. Vai-se esticando entre os dedos ou em cima de um prato, ou de uma tábua, untados com óleo, de modo a que fique mais grossa em redor a mais fina no meio. Deita-se no óleo já bem quente. Vai-se virando até que fiquem loirinhas dos dois lados.

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publicado às 10:53

Avô bigodes na Feira da Ladra

por António Tavares, em 14.11.17

Maria Clara, olha o teu avô bigodes

na Feira da Ladra no dia de São Martinho de 2017

Caricatura de Aniceto Carmona

Avô Bigodes1.jpg

 

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publicado às 19:34

Até fazíamos vinho...

por António Tavares, em 31.10.17

Até fazíamos vinho…

Os primeiros anos, depois de ter a casa construída, foram de muito trabalho. Mas vínhamos de lá cansados e contentes.

Pintar gradeamentos, construir muros e passeios, construir o churrasco e o forno e o telheiro, construir a piscina, plantar árvores e relva e as sebes, apanhar as ervas do meio da relva, cortar a relva … Plantámos duas fiadas de videiras que faziam uma latada, no caminho para a garagem. Logo nos primeiros anos deram tantas uvas que me propus fazer vinho. E fiz. Comprámos um barril na feira da ladra e enchemo-lo. E bebeu-se

No ano seguinte arranjámos a garagem. Chão de mosaicos, construímos a adega e a arrecadação.

Compramos 4 barris porque a ideia na altura era percorrer as adegas da zona para escolher os melhores vinhos e engarrafá-los. A garrafeira leva cerca de 500 garrafas. O mais que lá teve foram 15 ou 20 garrafas. Depois bebi-as todas…

O pai da Fernanda sugeriu que fossemos comprar uvas para esmagar e encher os barris. E enchemos. Mas fazer vinho requer muitos cuidados e atenção. Apodreceu e foi todo para o lixo.

Como a latada de videiras fazia muito lixo cortei-as todas. Plantei depois apenas meia dúzia de uvas de mesa e não as deixo crescer muito.

Quando foi inaugurado o Continente na Amadora passámos a ter mais um motivo de recreação: fazer as compras no primeiro dia de férias. Como as férias duravam um mês inteiro tínhamos que encher 2 carrinhos. Comprávamos um presunto inteiro. Por vezes nem cabia tudo no porta-bagagens do Fiat. Na viagem para a Ericeira almoçávamos no Curral dos Caprinos. Era um dia de festa…

A nossa ideia, ao planear a Casa da Praia, era construir uma casa baixa e larga. Para esse efeito teve que se aproveitar a largura máxima possível, que o terreno permitisse. Depois teve ser esticada para trás.

Cedo a Fernanda começou a dizer que não gostava por ser baixa demais. Que parecia uma barraca.

Nas tardes solarengas juntávamo-nos com outros vizinhos no restaurante o Pinhal (hoje desactivado). O dr Miguel, o António e a D Fernanda, o Manel, a Gabriela… conversa puxa conversa. Eramos todos visitas das casas uns dos outros. Quando vinham a nossa casa perguntava a todos:

- Acha a nossa casa feia? A minha mulher acha que é muito baixa e que as outras são mais bonitas…

Eu então sempre achei que a nossa era a mais bonita de todas. Por uma razão simples: era nossa!

Certo dia fomos com os meus sogros levar a chave à mulher-a-dias, a D Isaura (que ainda hoje nos limpa a casa. À porta dela diz a minha sogra:

- Esta é que é uma casa bonita. É alta. Tem uma varada grande no primeiro andar.

Não tardou que a Fernanda fizesse a cabeça ao pai para financiar a construção do primeiro andar. Mais uma sala com bar, lareira e mesa de snooker, uma varanda, casa de banho e mais 3 quartos. E mais 10 mil contos.

Na altura havia por ali muita rapaziada nova. Brincavam todos uns com os outros. Todos gostavam de vir para nossa casa porque tinha piscina. Era a única. Acabavam de almoçar e entravam com a toalha às costas. Parecia uma piscina pública.

Começámos a aborrecer-nos com isso e passamos a fechar o portão à chave. Passaram a entrar apenas quando nós queríamos.

À noite os rapazes gostavam de brincar na rua. Nós não gostávamos muito que o Bruno andasse na rua à noite. Não estávamos descansados em casa. Então mandávamo-los todos para a nossa garagem, que era grande. Mesmo assim, para podermos descansar, tínhamos que correr com eles já pela noite fora, tal era o barulho que lá faziam.

Um dos lotes em frente à nossa casa ainda estava em mato. Para os miúdos brincarem abri um caminho pelo meio do mato e lá mais acima construi-lhes uma cabana com restos de madeiras das muitas obras da zona. Fiz um telhado com canas e mato. Era um local de brincadeiras.

Um dia, tinha o Tiago poucos anos, estava eu preparando o churrasco e a Fernanda os acompanhamentos do almoço. Perguntou-me:

- Sabes do Tiago?

- Não. Mas está aqui o triciclo. Não deve estar longe.

Procurámos. Chamámos. E nada. Corremos a rua toda a chamar por ele e ele não respondia. Estava escondido na cabana do mato.

- Não ouvias a mãe a chamar?

- Ouvia, mas não quis responder…

Casa da Praia 4.jpg

A Casa da Praia vista do lado de trás. O Torpes sempre a espreitar-me!

Casa da Praia 5.jpg

A Casa da Praia vista da frente.

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Ao fundo o mar (à direita) e a serra de Sintra (à esquerda).

Casa da Praia 7.jpg

Pormenor do meu jardim.

 

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publicado às 09:16

Novo aerograma para a minha neta

por António Tavares, em 09.10.17

Novo aerograma para a minha neta

Maria Clara. Hoje, a poucos dias de completares 9 meses, foste pela primeira vez à escola. Era para teres começado já na semana passada, mas apanhaste uma virose que depois pegaste aos teus pais. Mas tu és valente. Com 39,5 de febre comias e rias-te para nós. Os teus pais, com menos, caíram à cama.

Ficaste pouco tempo. Parece que ainda passaste pelo sono. Mas quando os teus pais chegaram para ver como estavas, já a educadora estava para lhes ligar para dizer que tu não te calavas. Não faz mal. É só o primeiro dia. Mas tens que te habituar porque eles só têm uma semana para te ajudar na ambientação.

Tens que crescer depressa. Não faz sentido ser o teu pai a carregar a tua mochila. Tens que ser tu. E eu estou ansioso para que te reboles comigo no chão a brincar. Riste-me muito para mim. Puxas-me os bigodes, queres arrancar-me os olhos e tentas tirar-me o boné da cabeça.

Tenho muitas histórias para te contar. Vamos ser grandes amigos: tu e o avô bigodes…

Quarto das bonecas.jpg

Olha só o quarto das bonecas que a avó tem na Casa da Praia para tu brincares!

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publicado às 21:37

O ninho das formigas e o tanque para lavar o cu

por António Tavares, em 09.10.17

O ninho das formigas e o tanque para lavar o cu

Arranjei todo o jardim e a horta. Deixámos em terra a zona para fazer a piscina. Era onde o Bruno brincava com os seus carrinhos miniatura. Sempre gostou muito de carros. Fazia uma estrada. Uma pista. Um parque de estacionamento. Depois levava-os, um a um, a percorrer aqueles caminhos todos. No fim ficava todo sujo. Não fazia mal.

O padrinho do Bruno construiu-lhe uma garagem em contraplacado. Portão de entrada, com dois pisos e rampa de acesso. Era um delírio. Deu para arrumar os carros todos.

- Oh pai… os carros não enchem a garagem. Tens que comprar mais.

E comprámos.

A dada altura decidimos construir a piscina. Pedimos orçamentos e pediam-nos 2 e 3 mil contos. Decidimos fazê-la nós próprios.

Contratamos o sr Festas da Achada e ele arranjou mais uns 2 ou três amigos. Nós íamos na sexta-feira e no sábado, mal o sol raiava lá começávamos nós a ouvir o carro de mão a chiar, estrada fora. Traziam enxadas e pás para escavar e o carro de mão para acarretar a terra. Foi tudo escavado à mão e a terra atirada para o caminho de trás. Felizmente como a terra era boa houve logo quem a quisesse e a levasse em tractores. Evitou-se termos de nos desfazer dela.

O ti Festas e os amigos gostavam de ter uma pinga para ir bebendo ao longo do dia. Comprávamos-lhes um garrafão de 5 litros numa adega do Sobreiro. Dava para o dia todo. Iam intercalando com água. Certa vez trouxemos um garrafão de um vinho melhor.

- Não pode trazer mais deste vinho. Com este nós vamo-nos abaixo mais depressa…

Aberto o buraco arranjámos um pedreiro que fazer as infra-estruturas em cimento e os muros e as escadas de acesso. Comprámos as máquinas em Lisboa. Contratámos com o canalizador Carlos Batalha da Achada para montar as máquinas. Comprámos em Sintra as pedras para o rebordo exterior e para o deck. Montar as pedras exteriores foi trabalho meu.

Faltava arranjar quem revestisse a piscina com os azulejos comprados por nós. Indicaram-nos o Maximino de Caeiros. Que era um rapaz jeitoso. Que só trabalhava em azulejos. Pedimos-lhe orçamento.

- Não posso dizer ao certo. Depende do trabalho que der. Mas deve ficar à volta de 27 contos.

Mandamos fazer. Quando lá chegamos andava a trabalhar com ele o padrinho, o tio, mais um amigo … diz a Fernanda:

- Não me digas que depois temos que pagar a estes todos…

Bem dito, bem feito. Ainda antes de acabar (faltava betumar os azulejos) pediu que lhe pagássemos.

- Sabe… também tenho que pagar a quem me veio ajudar!

Começou por pedir mais de 40 contos. E o trabalho por acabar. Demos-lhes 30 contos e dissemos que se fosse embora. Que não aparecesse mais. Acabei eu por betumar os azulejos, conforme fui capaz (mal). Daí em diante vinha de mota pôr-se à nossa porta à espera que lhe pagássemos.

Sem o saber o meu sogro, com medo que nos acontecesse algo de mal, foi a casa dele e pagou-lhe o que ele queria. Viemos a saber mais tarde que ele era exactamente um calão. Vivia de biscates e não fazia nada de jeito. Esteve emigrado e veio-se embora. Esteve como caseiro numa quinta em São Lourenço e correram com ele.

Trabalhamos muito naquele pedaço de terra que é nosso. Daí lhe ter tanto amor. Tenho lá enterradas muitas gotas de suor, algumas gotas de sangue a algumas lágrimas. Transportava as pedras e o cimento dentro de dois baldes presos com cordas a um pau que colocava nos ombros. Cheguei a tê-los feridos. Vínhamos de lá cansados, mas felizes.

O Sr Sequeira (vizinho de frente) dizia muitas vezes:

- Olhe que isto é um campo de férias! Não é um campo de concentração.

A Fernanda é bora rapariga. Sempre gostou da Casa da Praia. Mas sempre gostou mais de comprar tapetes de arraiolos e bibelots. Até nas casas de banho e nas paredes instalou arraiolos. Já sobre o jardim e a horta e a piscina tinha outra opinião. Chamava-lhes o ninho das formigas. E a piscina o tanque de lavar o cu. Nunca consegui que lá metesse um pé.

Mas eu até achava piada aos tapetes de arraiolos. Colaborava mesmo no desenho de alguns. Fazia-os em folhas de Excel. Temos lá na parede uma reprodução de um que faz parte de um museu (não me lembro qual) e que é tido como um dos mais antigos, para lá da idade média. Foi descoberto numas ruinas quaisquer, em muito mau estado. Foi recuperado e nós vimos a sua fotografia num jornal qualquer, num tamanho que não deveria ter mais de 5 x 5 cm.

Ampliei-o várias vezes através de fotocópias. Desenhei-lhe em cima uma malha de quadrados e depois compu-lo, ponto por ponto, numa folha Excel. Até as cores conseguimos manter.

Disse muitas vezes à Fernanda:

- Estás a construir um museu. Não uma casa de campo…

Arraiolos.jpg

É esta a reprodução do tapete de Arraiolos medieval. Foi encontrado em muito mau estado e foi restaurado. É tido como o mais antigo Arraiolos conhecido. Vimos a sua reprodução numa revista numa foto de 5x5 cm. Redesenhei-o à mão numa folha excel. Fizemos a sua reprodução.

Frades.jpg

A adega dos monges. Tapete de Arraiolos pendurado na parede.

Caça ao javali.jpg

 A caça ao javali. Outro tapete de Arraiolos na parede.

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publicado às 12:02


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