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72 tangerinas

por António Tavares, em 07.03.17

72 tangerinas

Nas viagens de Cardigos para Vila Nova de Poiares e vice-versa parava sempre algumas horas em Coimbra para fazer o transbordo para outra carreira. Ia-mos em grupo e a partir de Coimbra cada um seguia o seu destino.

Junto à estação de Coimbra B havia uma senhora que vendia bananas dentro dum cesto. Foi lá que comi as minhas primeiras bananas. Comprava sempre só uma. E tenho ainda na lembrança o facto de por vezes gostar muito delas e outras quase que me davam vómitos. Percebi muito mais tarde que as que não gostava eram as que estavam muito maduras. Mas nunca tive coragem (por vergonha) de dizer à senhora que não as queria muito maduras. Ainda hoje só gosto de bananas verdes.

Quando vinha a Cardigos via Sertã, alguém tinha que me ir buscar com a carroça, ao cruzamento junto a Proença-a-Nova, porque eram muitos quilómetros até ao Casalinho. Quando vinha por Cardigos a carreira deixa-me mesmo na vila. Aí eu fazia o caminho a pé até ao Casalinho.

Quando era nas férias de Natal, pelo caminho passava junto aos terrenos que, pertencentes à Dona Natividade, eram cultivados pelo meu pai. E nessa altura havia muitas laranjas e tangerinas. Lembro-me de, um belo dia, me sentar em cima de uma tangerineira e comer tangerinas sem parar. E fui-as contando. Comi 72. E no final ainda enchi os bolsos para comer até casa.

Essa quinta tinha sido em tempos, para além de zona agrícola, uma zona de veraneio e diversão. Tinha ainda alguns vestígios desses tempos áureos, que me encantavam, por nunca ter visto nada assim: um pequeno chalé num ponto alto, no meio da vinha, com churrasco e tudo, as videiras à volta do chalé eram as mais doces (moscatel, penso eu agora), havia uma nora muito grande num poço muito fundo. A nora era puxada pela mula. Deitava água para um tanque muito grande e desse tanque a água irradiava por toda a horta.

Essa quinta foi dada ao meu pai para semear e usufruir podendo ficar com tudo. A dona da quinta apenas vinha buscar tudo o que precisasse para o seu consumo.

Havia algumas árvores interessantes, que não existiam nos nossos terrenos. Uma pereira enorme diferente de todas as que conhecia. Penso hoje que pode ter sido uma pereira de pera rocha. Havia ginjeiras cuja utilidade desconhecia, porque não se podiam comer. Havia muitas romãs à volta do poço da nora. Como eram grandes davam sombra à mula enquanto ela girava à volta da nora. Havia uma nespereira enorme. Havia cerejeiras, algumas delas de cerejas muito grandes.

O meu pai comprometeu-se a limpar a vinha das eras daninhas. Especialmente dos fetos porque crescem muito e abafam as videiras, para além de secar os terrenos, porque desenvolvem raízes subterrâneas enormes. E para erradicar os fetos era necessário arrancar essas raízes todas. Calhou-me a mim esta tarefa. Tinha 10 anos. Vinha da escola a meio da tarde, dirigia-me à quinta, pegava na enxada e cavava os fetos até o sol se pôr. Depressa o meu pai percebeu que era uma luta inglória.

Pais na carroça.jpg

 O Ti Zé Maria e a Dona Delfina (meus pais). Assim vestidos só podiam ir para a missa.

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publicado às 12:05


1 comentário

De Anónimo a 23.09.2017 às 15:31

Bom dia, parabéns pelo seu blog.

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