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É para isto que servem os amigos

por António Tavares, em 24.04.17

É para isto que servem os amigos

No seminário estudava-se apenas a área de Histórico-filosóficas. Latim, grego, filosofia, etc. Logo que cheguei a Lisboa tentei arranjar uma escola onde seguisse esse rumo. Pela sua localização a escola Luís de Camões na Almirante Reis era a única que me servia: tinha aulas à noite e ficava perto do trabalho e da pensão. Para além de não terem essas disciplinas disseram-me logo: para que é que queres estudar isso?

Nunca tinha pensado nisso. Queria apenas estudar. Fui depois investigar qual a escola superior que tinha aulas nocturnas. Só me indicaram o ISE (hoje ISEG). Voltei à escola e escolhi uma área que me levasse ao ISE.

Inscrevi-me numa turma que ia ministrar no mesmo ano o 6º e o 7º ano ao mesmo tempo. Fui fazer exames finais em Julho ao Liceu D Pedro V. Passei a todas as disciplinas e só fiz oral de Inglês e Matemática.

No inglês joguei na sorte: estudei apenas uma lição, de trás para a frente e da frente para trás. Os verbos todos dessa lição, etc. O júri disse-me: abre o livro e onde calhar lê a lição. Estava marcada. Abri mesmo naquela lição. Sabia a lição de cor. Fizeram-me 2 perguntas e passei com 10. Matemática é que chumbei na oral.

Comecei a ver a vida a andar para trás. Podia pedir adiamento da incorporação no exército enquanto estivesse a estudar num curso superior, mas para isso tinha que entrar no curso nesse ano: 1970. Logo, precisava de aprovação na prova de admissão ao ISE. Já só tinha a oportunidade de Outubro. Foi nesse verão que passei todo o tempo a fazer todos os exercícios do Palma Fernandes. Mesmo no café ou nas esplanadas, enquanto os colegas ouviam o relato do futebol, eu fazia exercícios. Em Setembro passei na matemática do 7º ano e fiz fazer exame de aptidão ao ISE. Chumbei.

Como o que não tem remédio, remediado está, a minha decisão foi pedir antecipação da incorporação. Já que tinha que ir para a tropa que fosse já. Quanto mais depressa fosse mais depressa vinha. Mas com o 7º ano ia para o curso de sargentos e se estivesse a frequentar um curso superior ia para o curso de oficiais, para Mafra.

Espera, lembrei-me: Há-de haver um curso superior que não exija exame de aptidão. E havia: era o ISLA. Lá fui eu à Rua do Sacramento à Lapa inscrever-me, já nem sei em que curso. Num qualquer. Inscrevi-me e paguei. Disse na secretaria:

- Agora preciso que me passe um atestado em como já estou inscrito, para fins militares.

- Há, mas nesse caso, tem que pagar o ano todo.

- O ano todo? Mas porquê?

- Porque vai acontecer consigo o que acontece com quase todos os que cá se vêm inscrever. Só vêm pelo atestado e depois não poem cá mais os pés.

- E quanto custa?

- 8 contos.

Por esta é que eu não esperava. 8 contos! E agora? Ainda escrevi à minha mãe a pedir ajuda. Não consegui nada. Felizmente há sempre pessoas boas. E normalmente sempre as encontrei fora do circuito famíliar. Havia no escritório do despachante um rapaz chamado Manuel Lopes. Era o tesoureiro do Grupo Desportivo. Contei-lhe em jeito de desabafo. Disse-me ele: eu ajudo-te.

Emprestou-me os 8 contos das contas do Grupo Desportivo. Combinamos na altura os reembolsos mensais. Não falhei um. E no dia de embarcar para a tropa tinha tudo pago.

Era um amigo do coração. Anos mais tarde (1983?) estava eu a trabalhar nos TLP já o Manel Lopes trabalhava como Despachante Oficial. Tinha comprado um andar para escritório numa transversal à Afonso III. Era uma rua nova. Não havia telefones. Em todo o prédio só havia o telefone das obras de construção instalado num espaço na garagem. E os TLP Não tinham projecto previsto para a zona. Era preciso abrir uma conduta nova por baixo da Afonso III, um ramal até ao prédio, instalações novas, etc. Coisa para vários anos.

O Manel pediu o telefone emprestado ao construtor e instalou uma secretária na cave onde ficou a sua empregada. Sempre ligavam para ele, ela chamava o patrão através de walkie-talkie.

Nada que um bom amigo não resolva. Eu tinha nos TLP outro amigo o Engº Santos Cruz. Contei-lhe e com a sua influência, num mês fez-se o projecto, abriu-se a conduta e o ramal e o Manel Lopes instalou no seu escritório 3 telefones e um fax.

Recompensa: umas santolas num jantar a 3 na cervejaria Solmar. E 2 caixas com 12 garrafas de vinho verde tinto de produção caseira que ele trouxe da terra dele, lá no Minho. Nunca tinha bebido. Mas souberam-me a pouco.

Com o documento de frequência do ISLA na mão lá fui ao departamento de recrutamento do exército pedir para seguir na primeira incorporação. Estávamos em Outubro ou Novembro de 1970. Já não dava para ir na primeira, em Janeiro. Fui na segunda em Abril. Havia 4 recrutas por ano.

Na véspera do dia aprazado para me apresentar em Mafra levei os meus amigos todos a beber umas imperiais na cervejaria Ribadouro. No dia seguinte apanhei o último comboio da tarde no Rossio. Destino Mafra. Comecei a ver vários rapazes da minha idade com malas. Pensei: vamos se colegas. E foram. Chegados à estação de Mafra saímos. Eramos uns 4 ou 5. Na estação: ninguém. Não havia telefones. Transportes também não. A estação (apeadeiro) ficava num deserto numa encosta, longe de tudo. Andámos um pouco a pé e inquirimos a um aldeão como se ia para Mafra. Respondeu:

- Apé. A esta hora já não há transportes. E são uns 8 ou 9 quilómetros.

Acabamos por encontrar um senhor de mota a quem pedimos fosse chamar 2 táxis para nos levar a Mafra.

Assim começou a minha aventura na guerra…

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publicado às 11:24


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