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Para que não se esqueça ... Para que as minhas memórias não se percam para sempre e simplesmente porque me falta escrever um livro ....
Casalinho
O Casalinho é uma pequena aldeia da freguesia de Cardigos.
Hoje praticamente desabitada, tinha na minha meninice cerca de 8 a 9 famílias repartidas por 3 núcleos: o do cimo da aldeia, o do meio e o do fundo.
Cada núcleo juntava famílias com ligações estreitas e familiares entre si, que quase viviam em comunidade.
O apelido dos dois primeiros núcleos já não me lembro. Os de baixo eram os Tavares.
As ligações dentro de cada grupo eram tão fortes que partilhavam determinados bens como o forno do pão por exemplo.
Uma única rua ligava o cimo e o fundo da aldeia.
Os Tavares ligavam-se bem com os do cimo da aldeia, mas sempre houve uma animosidade com o núcleo do meio que nunca entendi.
O meu pai proibia-nos por exemplo de passar pela rua principal para não atravessar a zona do meio. Para irmos ao nosso quintal que ficava no cimo da aldeia seguíamos sempre por carreiros que ladeavam a aldeia por trás das casas. Mesmo com a carroça da mula seguíamos por esses carreiros. De tal modo que certa vez, era a mula ainda nova, difícil de ser domada, arrastou a carroça para o lado, uma roda subiu um muro e virou-se de rodas para o ar. Só a Lúcia vinha em cima da carroça. Felizmente não passou de uns simples arranhões.
O certo é que todos os terrenos em volta do Casalinho eram propriedade das famílias dos Tavares e das famílias do núcleo de cima. As terras das famílias do meio eram todas muito longe da povoação.
Curiosamente, estava o Bruno para nascer na clínica de São Miguel em Lisboa, quando nos apareceu no quarto uma senhora que me reconheceu e eu reconheci como sendo a Maria das Neves que pertencia ao núcleo familiar do meio. Nunca nos tínhamos falado. Era empregada da clínica e até nos emprestou uma televisão para a Fernanda ter no quarto. E levava-lhe fruta. Ironias do destino.
Não havia luz elétrica, nem casas de banho e nem água canalizada.
A luz era de candeeiros a petróleo e de lanternas de azeite. A água vinha do poço a que chamávamos fonte, que ficava a meio da encosta. Todos os dias tínhamos que ir lá várias vezes buscar água em bilhas de barro. Em casa despejávamos as bilhas para os 2 cântaros na cantareira. Tínhamos que repetir a ida há fonte até os cântaros estarem cheios. A casa de banho para as necessidades era nos pinhais atrás das casas. Quando conseguia-mos um pedaço de papel ou de jornal era uma alegria. Porque normalmente o papel higiénico era uma pedra. Há noite tínhamos bacios nos quartos. De manhã ia-mos despeja-los aos pinheiros. Lavar a cara era em bacias na rua, mesmo à porta de casa. Nas manhãs de inverno tínhamos que tirar primeiro o gelo que se formara de noite.
Mal o dia nascia abria-mos a porta do galinheiro e as galinhas iam todas de enfiada rua fora para os pinhais comer insetos. Quando as chamávamos elas vinham a correr para comer a ração feita de couves migadas, farelos e ossos esmigalhados. Depois seguiam novamente para os pinhais. De vez em quando alguém tinha que dar por lá uma volta para espantar possíveis raposas.
Mal o sol baixava no horizonte era vê-las em fila a caminho da aldeia, a entrarem nas respetivas capoeiras e a pularem para o poleiro.
Antes de se fechar a porta da capoeira, para evitar as raposas de noite, eram contadas. E de vez em quando lá vinha a mulher do tio Zé:
- Ó ti Delfina, veja lá se não está por aí a minha pedrês?
O meu pai à entrada do Casalinho, o Tio Zé e a mulher à porta de casa. O meu pai e a minha mãe na carroça da mula.
O burro do ti Zé e a capela do casalinho.
Esta é uma foto de parte da nossa casa. A mãe na porta com 3 das filhas.
Os homens do Casalinho: Joaquim Nunes do núcleo cimeiro e as 3 famílias no núcleo fundeiro: Ti Zé Maria (meu pai), Ti Zé Tavares, o seu irmão Tio Virgílio (meu padrinho) com o filho Carlos ao lado.