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Para que não se esqueça ... Para que as minhas memórias não se percam para sempre e simplesmente porque me falta escrever um livro ....
Maria Clara, olha o teu avô bigodes
na Feira da Ladra no dia de São Martinho de 2017
Caricatura de Aniceto Carmona
Quem somos
(do site www.promagala.pt)
A Promagala é herdeira da ancestral tradição de venda de artigos militares na Feira da Ladra em Lisboa.
Velha de séculos, a Feira da Ladra sempre foi conhecida pela venda de toda a espécie de bugigangas, quinquilharias, velharias e artigos militares.
O ponto alto da venda de artigos militares aconteceu durante a guerra colonial, devido ao elevado número de efectivos das forças armadas.
Era na Feira da Ladra que os soldados vinham vender os restos de fardamentos que lhes tinham sobrado após a passagem à disponibilidade e era também lá que procuravam uma ou outra peça, mesmo velha, que lhes faltava para efectuar o espólio.
Era também na Feira da Ladra que acabavam por ser vendidos muitos dos velhos artigos de fardamento vendidos nos leilões do exército, após serem reciclados e reaproveitados, tornando-se úteis para os operários e para os trabalhadores agrícolas.
As calças e os casacos eram cosidos por diversas mulheres em diversos becos e vielas de Alfama e São Vicente de Fora. Nos mesmos becos e vielas alguns operários remendavam as velhas botas com meias solas elaboradas de velhos pneus e estas partiam depois, ensacadas, de comboio, para terem uso em diversas regiões do país.
À zona da Feira da Ladra veio parar, nos longínquos anos 50 do século 20, o Sr Gervásio, sapateiro, oriundo da Roussada, Milharado, Mafra.
Aqui arranjou emprego num sapateiro com banca na entrada do prédio nº 5 da Rua de Santa Marinha. Com a reforma do patrão tomou a seu cargo a respectiva banca. Nessa banca começou a remendar as primeiras botas da tropa.
Como as vendas iam crescendo foram sendo admitidos como empregados outros sapateiros, chegando a ser mais de 20, ocupando armazéns desde o Beco do Maldonado ao Beco dos Lóios.
Na Rua de Santa Marinha acabou o Sr Gervásio por conhecer a D Palmira, oriunda da Coelhosa, Alvares, Góis, perto da Pampilhosa da Serra, zona de onde é originária a maioria da população desta zona de Lisboa e resolvem constituir família.
A D Palmira acaba por ir vender roupa usada para a Feira da Ladra, juntamente com outros familiares. Daí a vender roupa da tropa foi um passo.
Surgem entretanto problemas e o Sr Gervásio não encontra no mercado material para trabalhar. Chega a criar modelos de calçado próprios mas a sua produção e escoamento para o mercado vão sendo cada vez mais difíceis.
As dificuldades aumentam com o 25 de Abil de 1974. Os empregados vão sendo reduzidos até que se vai embora o último e o Sr Gervásio e a D Palmira acabam por ir vender fardamento e botas militares para as Feiras à volta de Lisboa: Malveira, Odivelas, Brandoa e claro, na Feira da Ladra.
Com o tempo as feiras fora de Lisboa são deixadas e ficam apenas com a venda na Feira da Ladra.
Entretanto em 1952 nascia a única filha deste simpático e trabalhador casal a Fernandinha.
Por caprichos do destino a Fernanda vem a corresponder-se com o António entretanto em serviço militar em Moçambique.
O António é Alferes Miliciano, oriundo de Cardigos, Mação. Depois da quarta classe ingressa no seminário em Coimbra, passa por Fátima até que em 1968 abandona os padres e ruma a Lisboa.
Finda a guerra colonial o António regressa ao seu emprego de Despachante na Alfândega de Lisboa. Casam em 1975. O Bruno nasce em 1977 e o Tiago em 1985.
O António percorre sucessivamente empregos nos TLP, na PT e na Marconi.
Coincide em 2000 o facto de a Marconi ser integrada na PT e o Sr Gervásio se sentir cansado para continuar com a venda na sua banca da Feira da Ladra.
O António pede a reforma antecipada na Marconi e vai acompanhar a esposa na venda de artigos militares na Feira da Ladra.
Aos poucos alargam o negócio para a venda de Botas e Fardamentos para actividades específicas: Empresas de Segurança, Desportos de Aventura, Caça, etc.
Em 2006 passam o negócio a empresa e nasce a Promagala, Lda, tendo como sócios os 4 membros da família.
Em 2007 abrem a sua primeira loja em Lisboa.
No final de 2007 criam a sua própria página na internet.
Eis-nos ............
Não quero ser vegetal
Depois de casado sempre vivi em comunhão com os meus sogros. Sem eles não teria nada do que que hoje tenho. Habituado a um certo nível de vida, cedo percebi que não o poderia manter sem a ajuda deles.
Quando o Bruno era pequeno fizemos imensos passeios no Fiat ou no Ford Cortina. Íamos com frequência a uma quinta nas Cardosas (Arruda dos Vinhos) cujo caseiro era cliente deles. A quinta era muito antiga, tinha pertencido ao Intendente Pina Manique. Ninguém lá morava. Tinha capela e tudo. O caseiro era o guardião. Varejava a fruta para alimentar as cabras. Trazíamos sempre o porta-bagagens cheio de peros e maçãs. Porque diziam que os cornos dão sorte, ele cortou os 2 cornos a um borrego e deu-nos. Ainda hoje nos acompanham.
Mesmo quando morávamos em Odivelas, passávamos muito tempo juntos. No natal fazíamos um presépio grande com fonte, cascata de água e moinho. Mesmo em cima de alcatifa. O Bruno não ligava muito, nem às prendes. Depois de as desembrulhar todas ia buscar 2 tampas de tachos da cozinha e aparecia ao pé nós a bater com elas.
Naquele tempo era usual ter as casas alcatifadas e as paredes revestidas a papel. E papel de veludo. Bom para acumular pó. O Bruno sofria de bronquite. Tomou vacinas semanais importadas de Barcelona até aos 13 anos. Quando era pequeno e já dormia no quarto dele, levantei-me muitas noites mal o ouvia começar a tossir, para pegar nele. Chegados ao átrio era certo e sabido que ia vomitar tudo em cima da alcatifa. Lavei muitas vezes a alcatifa à 1 ou 2 da manhã. A solução acabou por ser eu dormir sentado com ele ao colo para ele encostar a cabeça no meu ombro. E depois eu ia trabalhar e depois eu ia para a faculdade e depois eu ia fazer reuniões de trabalho com os colegas da faculdade e depois a Fernanda não queria que eu fosse para casa deles (preferia fazer o almoço em nossa casa para todos). Eles também se chateavam de vir sempre para nossa casa…
A Fernanda vinha com o Bruno na carreira à quarta-feira para almoçarmos todos em Lisboa em casa dos avós. Depois passamos mesmo a dormir lá em casa. Quando terminámos a Casa da Praia começamos a quase não ir a Odivelas. Estávamos de semana em casa dos pais da Fernanda e ao fim de semana íamos para a Ericeira.
Entretanto nasceu o Tiago. Não tínhamos condições de morar mais em casa os meus sogros. O meu sogro decidiu vender a casa de Odivelas e comprou uma (velhinha) na Rua da Graça. Ainda hoje o Tiago lá vive com a Diana.
Para poder manter o nível de vida que levávamos fui sempre dizendo à Fernanda que me queria reformar cedo. Podíamos dar continuidade ao negócio dos avós e ficávamos com algum tempo mais para aproveitar a Casa da Paria.
Eles vendiam fardamentos e artigos militares em feiras. Por fim apenas na feira da Ladra. A partir de certa altura a saúde deles já não permitia que fizessem a feira, sozinhos. Eu ia (já lá vão muitos anos quando isto começou) às terças e aos sábados, às cinco horas da manhã, ajudar a montar a barraca e depois ao fim do dia ia ajudar a levantar. Depois a Fernanda passou a ir ajudar a fazer a venda aos sábados. Depois passamos nós a ir para a feira apenas os dois.
Ficámos com o armazém que o meu sogro tinha no Beco dos Lóios, que eu tentei “transformar” em loja e onde eu estava nos dias em que não havia Feira da Ladra. Mas como o sítio é muito escondido, cedo percebi que não servia para o efeito. Decidimos então abrir a Loja Promagala na Rua da Verónica. E quando a senhoria do armazém quis aumentar muito a renda, entregámo-lo.
Acompanhei a vida dos meus sogros muito de perto. Foram muito mais que pais, para mim. O meu sogro tinha uma religiosidade muito própria. Não frequentava a igreja mas acreditava que algo nos governava. Quando a Fernanda partiu a perna ofereceu o peso dela em trigo à N. Srª do Socorro (Enxara dos Cavaleiros, perto da terra dele: Milharado). Ainda lá fui com ele entregar o saco de trigo.
Acreditava no além e não queria, por nada ir para debaixo da terra. Construiu no cemitério do Milharado um jazigo para a família. Oito assoalhadas. Queria garantir lugar para todos até aos netos e suas companheiras. Está lá ele e sua esposa.
Depois de ele falecer a D Palmira veio viver para nossa casa. Como era relativamente saudável e trabalhadora, ainda nos foi muito útil antes da doença a deitar abaixo. Levantava-se noite. Um dia partiu a cabeça ao cair da cama. Fomos obrigados a dormir (eu e a Fernanda) aos bocados num cadeirão ao lado dela, para a segurar. Teve uma embolia pulmonar. Esteve internada na CUF quase 15 dias entre a vida e a morte. Durou mais uns 10 anos.
Eu ia para a loja. Aos sábados e terças-feiras ia para a Feira da Ladra. Por fim já não conseguimos ninguém que ficasse em casa com ela. Eu tinha que estar em casa de manhã, ao meio dia e à noite, para a levantar, sentar na cadeira e ajudar a Fernanda na higiene e na alimentação. Nos últimos cinco anos esteve como um vegetal. Sem falar e sem qualquer reacção.
Entretanto, fui um dia buscar o Torpes a casa dele, como de costume, para passar a tarde connosco na loja. Deu-me um esticão, caí pelas escadas abaixo, parti um pulso e úmero em 3 sítios. Fui operado na CUF. Puseram-me ferros pelo braço abaixo e 8 parafusos. Fiquei com os movimentos do braço reduzidos. Estive mais de 3 meses sem ir para a Feira da Ladra. O fiscal insistia que ou eu ia ou desistia. Os outros feirantes reclamavam.
Fiz contas e desisti.
A Fernanda bem ralhou comigo. Que podia continuar a fazer a feira. Mas como, se eu tinha que ir a casa ao almoço para levantar a avó e ajudar? Que na feira é que se ganhava dinheiro!
Passados 2 ou 3 meses de eu desistir da Feira da Ladra a avó chegou ao fim dos seus dias. Aguentou até aos 100 anos, 1 mês e 1 dia. E no dia em que faleceu ainda tomou o pequeno-almoço. Lá está, a ocupar o seu espaço, ao lado do Sr Gervásio no jazigo do cemitério do Milharado.
Pois eu espero não dar trabalho a ninguém. Fica aqui escrito: não quer viver vegetal. Se estivar ligado a uma máquina quero que a desliguem. Quero ser cremado. Quero que as minhas cinzas voem com o vento… se possível por cima do mar da Ericeira.
Torpes Freud
É este o malandro do cão, açoreano de uma figa, que me puxou por umas escadas abaixo e me partiu um braço em 4 pedaços...
Mas está desculpado.
A nossa banca de artigos militares na Feira da Ladra. Foi a turista que me tirou a foto e que a mandou depois por mail.