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Para que não se esqueça ... Para que as minhas memórias não se percam para sempre e simplesmente porque me falta escrever um livro ....
Conto do vigário
Sempre soube muito bem onde punha os pés. Nos meus primeiros anos de vida em Lisboa nunca me furtei a ter toda a espécie de gente por companhia. Mas sempre fui capaz de escolher aqueles com quem queria manter uma relação de amizade.
O mesmo sobre as solicitações que me apareceram. Também não tinha muito tempo para lhes dar atenção. Tinha um objectivo: estudar. Fui tentado por duas vezes com o célebre conto do vigário. E das duas vezes reagi com a maior das calmas.
Uma vez (em 1968), vinha eu de Santa Apolónia para o Campo das cebolas com um bornal militar, comprado na Feira da Ladra, ao ombro e cheio de papéis aduaneiros, quando passa por mim um sujeito a correr e deixa cair, mesmo na minha frente, um embrulho. Parei e comecei a chamá-lo.
- Hei, olhe, olhe …
Estranhei que, estando ele ainda tão perto de mim, não me ouvisse e continuasse a correr. Olhei em volta e não vi ninguém.
Quando me abaixo e me preparo para apanhar o embrulho surge, não sei de onde, outro sujeito que o apanha primeiro que eu e me diz:
- Hi! Olhe! Já viu? Tanto dinheiro! Um maço de notas.
E começa a esfolhear como quem esfolheia um baralho de cartas.
- Já percebi. Podes ficar com ele.
Deve ter-me confundido com algum campónio acabado de chegar de comboio.
Seguiu o seu caminho atrás do outro. Eu segui-o à socapa sem que ele me visse. Passado algum tempo já vinham os dois de volta e à conversa, para tentarem outro papalvo.
Anos mais tarde, para aí em 1974, vinha eu de jantar em casa da Fernanda e descia a Calçada dos Cavaleiros para apanhar o comboio no Rossio para Queluz. Era já noite e reparo em algo que brilhava por entre as pedras da calçada.
Ao tentar baixar-me para apanhar o objecto que luzia alguém se antecipou a mim, vindo também não sei de onde e o apanhou primeiro que eu.
- Olhe… um anel de outo! Deve valer uma fortuna!
- Está bem. Pode ficar com ele.
E segui o meu caminho.