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Para que não se esqueça ... Para que as minhas memórias não se percam para sempre e simplesmente porque me falta escrever um livro ....
25 de Abril
Tinha viagem de regresso à metrópole num dos últimos dias de Abril de 1974. No dia 25 ao chegar, pelas 10H00 ao quartel diz-me o Sargento:
- Ó sr Alferes, parece que em Lisboa já está o Spínola no poder.
Não percebi o que ele quis dizer, tão alheado estava das questões políticas. Só me queria mesmo vir embora.
- Parece que houve por lá uma revolução…
Sem entender nada, voltei à messe de oficiais. Estavam a reunir-se todos os milicianos. Queriam perceber o que se passava. Ligou-se um rádio para ouvir a Emissora Nacional. Rapidamente chegaram os oficiais de ligação com o movimento em Lisboa. E só então se perceberam alguns sinais da véspera, como por exemplo o facto de o General Diogo Neto (oficial da força aérea, de ligação local ao MFA) ter dormido no aeroporto, com pistola na cintura e com um helicóptero abastecido e preparado, na pista, para arrancar. Depois de dadas instruções locais ele foi dos primeiros a partir de avião para Lisboa.
Como disse atrás, um dos motivos que despoletou o 25 de Abril, foi a “guerrilha” entre oficiais do quadro e oficiais milicianos. Os primeiros julgavam-se “donos” do exército e encaravam mal o facto dos segundos atingirem postos elevados, em menos tempo. Embora nunca passassem de major. Os da Academia ainda podiam aspirar a chegar a general, tal como parodiava, com um certo sentido de humor fino, o Cancioneiro do Niassa:
Ser miliciano foi meu sonho
Mas não foi esse o meu fado
Deus deu-me outra fantasia
A de entrar para a Academia
E ser Oficial do Quadro.
Abandonei os civis
Ai deixei a honestidade
Passei a ser calaceiro
Sabujo do mundo inteiro
Deixei de falar verdade.
Hei-de ir p’ro Estado-Maior
Cagar postas de pescada
Dedicar-me àquele estudo
Eles é que sabem tudo
Os outros não sabem nada.
Não chorem pelo meu fado
E de mil não digam mal
Se eu aldrabar um bocado
Se eu aldrabar um bocado
Ainda chego a general…
Passada a fase de euforia pós 25 de Abril, cada um puxava para o seu aldo. Cada um se queria vir embora o mais cedo possível. Tratei da transferência do dinheiro do sargento, para ficar com os 10% em Lisboa. Fui encomendar um caixote grande para trazer todos os meus pertences. Enchi-o de tudo o que pude. Ainda fui comprar louças e roupas chinesas e artesanato de pau-preto e despachei-o nos serviços de transportes para Lisboa.
Fui tratar da viagem via aérea. Consegui viagem para o dia 25 de Maio. Escrevi para os meus irmãos em Queluz a avisar da minha chegada.